Segurança pública sob nossos olhos — celulares, ônibus e o trabalho da periferia.
Publicado em: 23/10/2025 às 20:04
Nas comunidades das zonas periféricas de Manaus — como Terra Nova I, II e III, Monte das Oliveiras, Monte Pascoal, Comunidade Assis, Comunidade América do Sul e outras — convivemos com desafios cotidianos que vão além da falta de infraestrutura: parte fundamental desse cenário é a violência urbana e o crime de roubo, que atinge especially trabalhadores, usuárias e usuários de transporte coletivo, quem depende de ônibus, mototáxi ou percorre as ruas da periferia para cumprir jornada, cuidar de família, buscar renda.
O que os dados mostram
Em 2023, Manaus apresentou taxa de 2.096,3 roubos e furtos de celulares para cada 100 mil habitantes, segundo levantamento oficial — a mais alta entre as capitais brasileiras. Entre janeiro e fevereiro de 2025, foram registrados 3.286 roubos de celular apenas em Manaus.
No transporte coletivo, por exemplo, a cidade ainda tem incidência significativa: porém, iniciaram-se ações de monitoramento que indicam queda de 46% nos assaltos dentro dos ônibus na capital entre janeiro e agosto de 2023.
Existe registro de queda de 34% nos roubos de celulares, 46% nos roubos ao transporte público e cerca de 33% nos roubos a pedestres no Amazonas em abril de 2025, atribuído a ações do Secretaria de Segurança Pública do Amazonas (SSP-AM) em integração com as polícias.
Mesmo com essas reduções, os números permanecem altos no contexto da periferia, onde o trabalhador vulnerável, o usuário de ônibus, quem caminha cedo ou tarde para o trabalho, se torna alvo constante — e a sensação de insegurança persiste.
Porque é uma questão de classe, de território e de cidadania
- O celular, além de bem material, pode significar instrumento de trabalho (mototáxi, entrega, comunicação-família), conexão com oportunidades, agências bancarias, com o mundo. Sua perda ou o trauma do roubo dificultam o dia a dia.
- Quem depende do transporte público está mais vulnerável: espera em terminais, pontos de ônibus, trechos de caminhada no escuro ou de madrugada tornam-se rotas de risco.
- A periferia acumula outras vulnerabilidades (falta de infraestrutura, falta de policiamento preventivo, ruas mal iluminadas, ausência de câmeras ou patrulhamento), o que transforma o crime de rua em parte da rotina.
- A segurança não é privilégio: é necessidade. E a invisibilidade dessas comunidades torna-as alvo fácil, sem a proteção adequada.
Principais demandas da comunidade
Para avançarmos como moradores organizados e conscientes, identificamos aqui três eixos estratégicos para atuação, exigência e luta coletiva:
- Patrulhamento preventivo e presença visível: Exigimos reforço no policiamento ostensivo nas linhas de ônibus que atendem nossos bairros, nos trechos de caminhada para estações e terminais, e nos horários de maior vulnerabilidade (início e fim de jornada, madrugada). Que a atuação da Polícia Militar do Amazonas (PMAM) e da Polícia Civil esteja orientada por mapeamento de risco, por dados de criminalidade local e por presença permanente, não apenas em operações pontuais.
- Tecnologia, monitoramento e infraestrutura de segurança: Solicitamos que sejam instaladas câmeras de videomonitoramento e melhorias na iluminação pública nos pontos de ônibus, nas vias de acesso ao transporte coletivo, nos bairros periféricos que apresentem histórico de roubos. Os dados mostram que onde há monitoramento e cobertura de câmeras os índices caem — por exemplo, o município relatou queda de 46% nos assaltos em ônibus com monitoramento de 70% da frota.
- Educação, articulação comunitária e responsabilização: A comunidade precisa estar envolvida — não apenas como vítima, mas como agente na prevenção. Isso significa reuniões locais com o poder público e as forças de segurança, relato sistemático de ocorrências, criação de canal direto entre moradores e patrulhamento comunitário, além de campanhas permanentes de prevenção (por exemplo: cuidados no transporte, não exibir objetos de valor, trajetos seguros). Também queremos que os responsáveis pelo comércio de aparelhos roubados e receptação sejam identificados, processados e punidos — porque sem isso o crime se mantém com impunidade.
Caminho adiante
Os números nos dizem que há avanços, mas não nos dizem que a situação está resolvida — de fato, para muitos moradores de periferia ainda parece que a segurança é um discurso longe do nosso cotidiano. Nós, como comunidade organizada, podemos fazer nossa parte: mapear pontos críticos, registrar nas delegacias, cobrar transparência nas operações da polícia, exigir que dados públicos sejam divulgados para que saibamos onde o crime ocorre, em que horário, quais as rotas mais perigosas.
Ao mesmo tempo, o Estado e o Município têm responsabilidades claras que ainda não cumpriram de forma suficiente nas periferias. A segurança pública deve ter foco territorial — não apenas nas zonas centrais ou em “áreas de interesse”. Isto significa alocar recursos, equipes, especialização para as comunidades que mais sofrem.
Reflexão final
Como moradores de bairros da periferia de Manaus, trabalhadores, mães, pais, jovens que usam ônibus, que caminham para cumprir jornada, que buscam uma vida melhor — não podemos aceitar que a insegurança se torne “normal”. O assalto no ônibus, o roubo do celular, aquela espera ansiosa no ponto escuro tarde da noite: tudo isso enfraquece nossa cidadania, nossa confiança na cidade.
Nosso direito à segurança, à mobilidade tranquila, ao transporte público seguro e ao uso do celular sem medo de perdê-lo, é legítimo. E para que ele se realize, precisamos de articulação comunitária, cobrança política, dados transparentes, presença efetiva do Estado e tecnologia a serviço da vida das pessoas.
Vamos levantar essa pauta, usá-la, cobrar, monitorar, participar — porque segurança pública é também direito social.
Atenciosamente;
Instituto Social Terra & Gente
"Nada tem mais força que a Mobilização Social."