A Articulação Intersetorial e a Ocupação de Espaços de Decisão

A Articulação SANEÁGUA, iniciada em 2003, demonstrou que a luta comunitária ganha outra dimensão quando se fundamenta na técnica e na ocupação estratégica de espaços de poder. A participação da liderança comunitária no I Simpósio de Recursos Hídricos da Amazônia não foi apenas simbólica; foi um ato de incidência política qualificada.

Ao levar a realidade da falta de água e saneamento para dentro de um debate acadêmico e governamental, quebrou-se a barreira entre o "saber técnico" e o "saber vivencial". Ali, compreendeu-se que a gestão pública sem a sensibilidade social é incompleta.

Hoje, o Instituto Social Terra & Gente utiliza essa experiência histórica como base para sua metodologia de Advocacy (defesa de direitos) e articulação institucional. Ensinamos e aplicamos a estratégia de dialogar de igual para igual com o poder público, fundamentando demandas em dados reais do território, seja na capital, no interior ou em comunidades tradicionais.

Washington Luís S. Leal

Gestor de Projetos

A Proposta (O Início em 2003)

O Movimento SANEÁGUA nasceu oficialmente em junho de 2003, fruto da indignação organizada da comunidade frente a uma crise crônica de abastecimento. As soluções individuais já não eram suficientes para resolver um problema estrutural.

A proposta foi ousada para a época: criar um Fórum Comunitário Regional. O objetivo não era apenas reivindicar o abastecimento imediato, mas debater o saneamento básico como política pública, envolvendo não apenas o bairro Terra Nova, mas articulando 25 comunidades adjacentes da Zona Norte em uma frente única.

Etapa 1: A Grande Mobilização

Utilizando o auditório da Igreja Nossa Senhora do Rosário como base operacional, a coordenação do movimento iniciou uma maratona de articulação política e comunitária.

A estratégia definida foi clara: unificar a voz da Zona Norte. Foram realizadas visitas a líderes de dezenas de comunidades, superando resistências políticas locais e desconfianças. O resultado foi a adesão formal de 18 lideranças ativas, fortalecendo a convocatória para o debate junto à concessionária Águas do Amazonas, ARSAM, Secretaria de Obras e a UFAM.

Etapa 2: Ocupando Espaços de Poder

A Estratégia da Inserção

Em agosto de 2003, ao tomar conhecimento do I Simpósio de Recursos Hídricos da Amazônia, realizado pela UFAM e ABRH no Studio 5, o movimento identificou uma oportunidade estratégica. A taxa de inscrição (R$ 500,00) era proibitiva para lideranças comunitárias.

A comissão de lideranças redigiu um ofício fundamentado e solicitou audiência com a coordenação do evento. O argumento foi técnico e social: a academia não poderia debater a água na Amazônia sem ouvir a população que sofria com a sua escassez. A isenção foi concedida, legitimando a presença da comunidade no evento.

Resultados da Ação

  • Visibilidade Institucional: Quatro lideranças comunitárias participaram oficialmente do evento científico, ocupando um espaço historicamente restrito a acadêmicos e autoridades.
  • Debate Qualificado: O movimento contestou dados técnicos apresentados sobre águas subterrâneas na região do Novo Israel (antigo lixão), confrontando a teoria com a realidade social vivida.
  • Incidência Política: Aproveitando a agenda oficial, foi entregue em mãos à assessoria da Ministra Marina Silva uma Carta Aberta, denunciando a falta de saneamento e o impacto ambiental nos igarapés urbanos.

Documentos Comprobatórios: Articulação Saneágua (2003)

Preservamos a memória de nossa luta através dos registros oficiais da época. Por respeito à privacidade de terceiros e para manter o foco nesta ação específica, disponibilizamos aqui o recorte documental contendo o Convite para o Fórum Saneágua, o Ofício de Isenção, o Folder do Simpósio e a Carta à Ministra Marina Silva.

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O Legado: Da Reivindicação à Consultoria

O Movimento SANEÁGUA ensinou que a luta comunitária precisa ser documentada, técnica e audaciosa. Aprendeu-se que não basta reivindicar; é preciso conhecer os canais legais, as leis e os espaços onde as decisões são tomadas.

Aplicação Institucional:

  • Capacidade de Articulação: O Instituto utiliza essa experiência para capacitar outras associações a dialogarem com órgãos técnicos (concessionárias, agências reguladoras e secretarias) de igual para igual.
  • Consultoria em Gestão: Hoje, ao prestar consultoria, o Instituto aplica o mesmo rigor: diagnóstico preciso, documentação formal e ocupação estratégica de espaços de decisão para a captação de recursos.

O SANEÁGUA foi a escola de diplomacia comunitária que hoje fundamenta a atuação política e técnica do Instituto.